Brasil e Seus 9 Golpes de Estado: 200 Anos de Impunidade

Dan Richter
By Dan Richter 6 Min Read

O Brasil acumula uma história marcada por instabilidade política, com nove golpes de Estado registrados desde 1823, conforme levantamento recente. Esses episódios, que vão desde a abdicação de Dom Pedro I até a tentativa frustrada investigada pelo STF em 2023, revelam um padrão preocupante de rupturas institucionais. O que chama atenção é a ausência de punição aos responsáveis, um traço recorrente que atravessa dois séculos. Essa impunidade reflete fragilidades nas estruturas democráticas do país e na aplicação da justiça. A cada golpe, a nação enfrentou crises que moldaram seu rumo político e social. A falta de responsabilização, no entanto, permanece como um eco persistente.

O primeiro golpe conhecido ocorreu em 1831, quando Dom Pedro I foi forçado a abdicar em favor de seu filho, então menor de idade. A pressão de elites e militares resultou em um vácuo de poder, mas ninguém foi punido pelos atos que derrubaram o imperador. Esse evento abriu caminho para uma série de intervenções que desestabilizaram o Império e, mais tarde, a República. A ausência de consequências legais reforçou a ideia de que golpes poderiam ser ferramentas aceitáveis para mudanças de regime. Desde então, o Brasil viu esse roteiro se repetir com variações. A impunidade começou cedo e se enraizou na cultura política.

Na República, o golpe de 1889 derrubou a monarquia e instaurou um novo sistema sem que os articuladores enfrentassem julgamento. Militares como Deodoro da Fonseca lideraram a transição, mas saíram ilesos de qualquer sanção. Décadas depois, em 1930, Getúlio Vargas tomou o poder em um movimento que destituiu Washington Luís, novamente sem punições aos envolvidos. Esses casos mostram como os golpes eram vistos como soluções pragmáticas, não como crimes contra a ordem. A falta de accountability permitiu que cada ruptura pavimentasse o caminho para a próxima. A história política brasileira carrega essa herança de tolerância.

O golpe de 1964, que instaurou a ditadura militar, é um dos mais emblemáticos e devastadores. João Goulart foi deposto, e o regime que se seguiu trouxe 21 anos de repressão, censura e violações de direitos humanos. Apesar das atrocidades, a Lei da Anistia de 1979 assegurou que militares e agentes da repressão não fossem responsabilizados. Torturas, assassinatos e desaparecimentos ficaram sem punição formal, consolidando a impunidade como norma. Esse episódio evidencia como mecanismos legais podem perpetuar a ausência de justiça. A ditadura terminou, mas seus responsáveis seguiram intocados.

Mais recente, o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 é classificado por alguns como um golpe parlamentar. Acusada de manobras fiscais, Dilma foi retirada do cargo, mas os articuladores do processo não sofreram consequências, continuando suas carreiras políticas. A destituição aprofundou a crise institucional e a polarização no país, mas não houve punição aos responsáveis pelo que parte dos analistas vê como ruptura democrática. Esse caso mostra como os golpes evoluíram, saindo das armas para estratégias legais e políticas. A impunidade, porém, permaneceu intacta.

A tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 trouxe um marco: pela primeira vez, o STF condenou indivíduos por esse tipo de crime no século 21. Três participantes receberam penas de 14 a 17 anos por ataques às instituições em Brasília. Ainda assim, a maioria dos envolvidos, incluindo militares, escapou de punições severas, e as sanções aplicadas foram consideradas leves por especialistas. A pesquisadora Gisele Leite aponta que a gravidade dos atos contrastou com a resposta branda. Esse evento reflete a dificuldade de romper com o histórico de leniência. Mesmo com avanços, a justiça segue hesitante.

A Lei da Anistia, sancionada em 1979, é um dos pilares dessa cultura de impunidade no Brasil. Criada para reconciliar o país após a ditadura, ela acabou protegendo torturadores e assassinos de processos criminais. Essa legislação, embora tenha permitido a volta de exilados, bloqueou a responsabilização por crimes do regime militar. A advogada Gisele Leite critica a norma por perpetuar a ideia de que rupturas institucionais não têm custo. A falta de revisão desse mecanismo mantém o passado impune e o futuro vulnerável. É um entrave que atravessa gerações.

Duzentos anos de golpes sem punição aos responsáveis deixam lições amargas para o Brasil. A repetição desses eventos expõe a fragilidade das instituições e a dificuldade de consolidar uma democracia sólida. Embora os julgamentos de 2023 sinalizem um esforço de mudança, o padrão histórico sugere que a impunidade ainda pesa mais. Romper esse ciclo exige vontade política, reformas legais e uma sociedade que cobre justiça. Sem isso, novos golpes podem surgir, amparados pela certeza da ausência de consequências. O Brasil segue desafiado a reescrever essa narrativa.

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