Tecnologia

Regulamentação da IA deve ser apreciada pelo Congresso até abril

Um dos compromissos do Congresso Nacional para este ano é promover a regulamentação do uso da Inteligência Artificial (IA) no país, algo cada vez mais urgente e que começa a avançar em várias nações. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) , já sinalizou que a Casa Alta vai apreciar, até abril, uma proposta de autoria dele, com o objetivo de firmar um marco civil da IA e impor limites à utilização da tecnologia, estreando nas eleições de outubro.

“O projeto de lei da inteligência artificial é fruto de uma comissão de juristas, que eu apresentei, está no âmbito de uma comissão especial do Senado. Deve até abril ser apreciado na comissão e no plenário”, disse. “São 45 artigos basicamente, justamente para que haja um limite em relação à inteligência artificial”, acrescentou.

A proposta citada por Pacheco durante o Brazil Economic Forum, realizado em Zurique, na Suíça, trata-se do Projeto de Lei (PL) 2338/23, que foi apresentado por ele em maio de 2023 e passa pela apreciação da Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA), criada em agosto, exclusivamente para deliberar sobre a matéria. O colegiado tinha, inicialmente, quatro meses para examinar o projeto, mas o prazo final foi prorrogado até abril deste ano, quando o presidente do Senado espera apresentar para a sociedade o texto com as regras.

O PL 2338/23 estabelece normas gerais para o desenvolvimento e a implementação da IA em território nacional, buscando “proteger os direitos fundamentais” e garantir “sistemas seguros e confiáveis”. O projeto tem como fundamento a “centralidade da pessoa humana”, ou seja, prevê que, para qualquer criação feita a partir da inteligência artificial, é necessário antes observar se obedece os interesses da população e quais benefícios serão conferidos.

“O grande princípio do marco da inteligência artificial é um conceito jurídico chamado de centralidade da pessoa humana, que é o seguinte: tudo que for feito a partir da IA, tem que ter como objetivo o interesse da pessoa humana. O que significa que você não pode levar em consideração, quando desenvolve uma inteligência artificial, somente o desejo, por exemplo, de uma indústria, não, o interesse social tem que prevalecer. Isso é o que está no projeto, além de princípios de ética, de respeito aos direitos humanos, à livre iniciativa e, principalmente, à privacidade”, explicou Francisco Gomes Júnior, especialista em direito digital, sócio da OGF Advogados, que participou da primeira rodada de discussão entre o grupo de juristas para a criação do projeto de lei.

A regulamentação da IA é alvo de debate em todo o mundo. As principais economias globais já implementaram ou caminham no sentido de estabelecer regras para o desenvolvimento e uso da tecnologia. Isso porque existe uma preocupação crescente em relação aos riscos que o mau uso da ferramenta oferece para a humanidade. Ano passado, Elon Musk, dono da Tesla e do X (antigo Twitter), e dezenas de executivos do setor de tecnologia publicaram uma carta alertando para esses perigos. “Os sistemas de IA contemporâneos estão se tornando competitivos em tarefas gerais, e devemos nos perguntar: devemos deixar que as máquinas inundem nossos canais de informação com propaganda e falsidade?”, questionaram, no documento.

Nesse sentido, em dezembro passado, a União Europeia fechou um acordo histórico. Os países europeus firmaram um tratado político sobre um projeto de lei para garantir o uso seguro da IA em todo o bloco. As normas incluem a regulação de sistemas como o Chat GPT, que se popularizou no último ano e foi responsável pelo aquecimento das discussões sobre inteligência artificial. Embora ainda precise ser votada pelo Parlamento e pelo Conselho Europeu para ter validade, a chamada Lei da IA é pioneira por ser a primeira legislação com regras gerais sobre a tecnologia no mundo.

Além da Europa, Japão, Cingapura, Coreia, Canadá, Índia, Reino Unido e outros países da América Latina, como a Colômbia, avançaram na regulamentação da ferramenta. “A China e a Índia, ou seja, nos dois países que têm maior número de população no mundo, já existe regulamentação de inteligência artificial aprovada e em vigor. Então, se a gente falar em termos de população mundial, mais da metade já tem legislação sobre IA”, pontuou Francisco Júnior.

O projeto brasileiro que será discutido no Congresso, a partir de fevereiro, quando acaba o recesso parlamentar, foi inspirado na legislação europeia e está de acordo com as normas estabelecidas em outros lugares do mundo, como nos Estados Unidos e na China. Mesmo que alguns já tenham implementado regras, na avaliação do especialista, o Brasil não está atrasado, pelo contrário, está caminhando em compasso com o restante do globo.

“O mundo está regulando-se. Alguns países saíram na frente, mas não podemos dizer que o Brasil está atrasado, eu entendo que colocar essa discussão em pauta é dizer que o Brasil está no mesmo ritmo dos demais países”, avaliou o advogado. “O Brasil não está adiantado, a China, por exemplo, saiu na frente, mas também não somos um dos países mais atrasados, porque estamos discutindo esse projeto, que chamamos de Marco Civil da Inteligência Artificial, desde o início de 2023. Então, não estamos atrasados”, completou.

Uma das maiores preocupações do Parlamento brasileiro em relação ao mau uso da inteligência artificial é o impacto que isso pode ter nas eleições, tendo em vista que o pleito municipal se aproxima. Além do Brasil, estima-se que as votações ao redor do globo mobilizem 3,5 bilhões de eleitores em 2024.

Depois dos reflexos da utilização do deep fake — uso da IA para manipular conteúdos de imagem e trocar o rosto de pessoas em vídeos, com sincronização labial e de expressões faciais, gerando resultados convincentes — na campanha eleitoral na Argentina, a primeira do mundo a usar a tecnologia, as apreensões com a desinformação sofisticada crescem entre governantes, juízes e população em geral.

No fim do ano passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes demonstrou preocupação com o tema. O atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirmou que o Brasil está em uma nova etapa de combate à desinformação no ambiente político e sugeriu punições severas como a cassação de mandatos e inelegibilidade nos casos que usaram a IA para disseminar conteúdo falso ou enganoso, como ocorreu na Argentina.

“Aquele que utilizou a inteligência artificial para desinformar o eleitor, aquele que fraudou vídeos e áudios para desinformar, as únicas sanções possíveis são cassação do registro ou do mandato e inelegibilidade. Senão o crime vai compensar, com uma multa não vão estar preocupados. Se atingirem o poder, não vão estar preocupados”, opinou Moraes.

Suspeitas

De acordo com a Polícia Federal, em pelo menos três estados já existe suspeita da aplicação incorreta da IA para criar áudios e disseminar informações falsas. No Amazonas, no Rio Grande do Sul e em Sergipe, prefeitos que devem tentar a reeleição e o deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE), marido de Hilda Ribeiro, prefeita de Lagarto (SE), alegam terem sido alvos de adulteração de conteúdo de voz com o intuito de prejudicar os candidatos nas eleições municipais.

“Já percebemos, a partir do que ocorreu na Argentina e de denúncias no Brasil, de criação de áudio que imita a voz de pré-candidatos, como a IA impacta as eleições. Outro problema também, pode ser, por exemplo, nos instrumentos de conversa, como ChatGPT, em que as pessoas têm ido fazer perguntas, buscar informações e, às vezes, a resposta que recebem não refletem a realidade. Então, a inteligência artificial pode ser, a depender do uso, boa ou ruim. Vai depender muito do uso que se faz da ferramenta”, analisou Elder Maia Goltzman, professor e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

Pensando nisso, o TSE promove, nesta semana, audiências públicas, com transmissão ao vivo no canal do YouTube, para debater minutas de resoluções com regras para limitar o uso da inteligência artificial. A partir de amanhã, até quinta-feira, o tribunal vai ouvir a população e avaliar sugestões sobre como a tecnologia pode ser aplicada. “O impacto dessa nova tecnologia nas eleições é tremendo, gigantesco e, por isso, surge essa preocupação do TSE, para tentar regulamentar e proibir o uso dela num contexto de desinformação. A minha avaliação sobre esse novo contexto é de que o TSE já está preparado em termos de regulamentação de propaganda eleitoral, e a inteligência artificial surge como uma nova forma, um novo método de se fazer coisas que desde sempre eram proibidas na campanha eleitoral”, afirmou Mateus Torres Penedo Naves, advogado no escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, especialista em direito eleitoral.

Na visão de Naves, o Brasil tem uma lei eleitoral sólida, que abrange situações de desinformação, já que essa é uma tática usada em campanhas eleitorais desde a redemocratização. A inteligência artificial surge como aprimoramento dessas estratégias de manipulação de massa, que pode intensificar a influência negativa no resultado das votações, mas não é algo completamente desconhecido. “A gente tem uma legislação eleitoral muito reconhecida internacionalmente. Temos um processo eleitoral de muita seriedade, acompanhado por órgãos bastante competentes, e que sempre teve essa situação de desinformação. A grande preocupação é que, com os meios de divulgação em massa, tem uma facilidade muito maior de fazer com que essa mentira e essas informações criminosas tenham um impacto terrível na eleição, afetando a liberdade de escolha de voto”, ressaltou.

“Existem várias regulamentações nas resoluções eleitorais, na Lei Eleitoral, que coíbem o mau uso da propaganda em relação àquilo que já é proibido, como a campanha difamatória, a informação falsa, independentemente se foi realizada com uso da inteligência artificial ou da forma como é feita”, disse Naves.

Tramitam na Câmara dos Deputados diversos projetos que tratam exclusivamente sobre a aplicação da IA em propagandas eleitorais. É o caso do PL 1002/2023, do deputado Kim Kataguiri (União-SP), que busca estabelecer normas para as eleições em relação à deep fake; e dos PLs 5241/2023 e 5931/2023, dos deputados Rafael Brito (MDB-AL) e Carlos Chiodini (MDB-SC), respectivamente, que tratam sobre manipulação de conteúdo, de forma geral, em campanhas políticas.

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